(do livro ‘Eu vi tuas lágrimas’, Vera Weissheimer)
Quando criança, muitas vezes, perguntei à minha bisavó Alvina sobre os porquês de acontecerem coisas ruins às pessoas boas que eu conhecia. Contando suas histórias e causos, minha bisavó encontrou uma maneira de responder às minhas perguntas e acalmar-me em minhas dúvidas. Nunca tive certeza se o que ela me contava era verdadeiro ou inventado. Na verdade, muito mais tarde aprendi que as histórias, quando servem para iluminar aquelas partes da vida que ainda não compreendemos, tornam-se verdadeiras – porque a luz que lançam sobre nossas dúvidas e medos é verdadeira. Uma das histórias que muitas vezes ouvi como resposta à minha pergunta fala sobre uma mulher desesperada que procura um remédio para tirar seu bebê do colo da morte.
“Uma mulher viu seu filho, ainda bebê, ficar doente e morrer em seus braços. Desesperada por não saber nem conseguir fazer nada para salvar seu filho, a pobre mulher saiu pelas ruas implorando que alguém a ajudasse a encontrar um remédio que o salvasse da morte. Como ninguém podia ajudá-la, a mulher foi procurar um sábio que morava nas montanhas. Com a criança nos braços, tentou explicar sua angústia. O sábio homem, então, respondeu que havia somente uma maneira para que a mulher pudesse encontrar alívio para a sua dor. Ela deveria voltar para a sua cidade e trazer para ele uma semente de mostarda de uma casa onde não houvesse sofrimento por causa de alguma perda. A mulher ficou cheia de esperança. Foi, então, de casa em casa. Mas, para sua surpresa, ouvia sempre a mesma resposta. “Muita gente já morreu nesta casa”; “muitos sonhos se perderam nessa família”; “desculpe, já houve morte em nossa família”; “aqui nós perdemos um bebê também”. Depois de percorrer todas as casas de sua aldeia sem conseguir a sua semente de mostarda, a mulher compreendeu a lição. Então, voltou à montanha e disse ao sábio: “A dor me deixou cega. Eu me sentia a única pessoa sofrendo na face da terra, a única que perdera um filho, a única a segurar seu bebê morto nos braços”.
Essa é uma história relatada no “Livro Tibetano dos Mortos”. Há uma necessidade humana de entender a dor provocada pela morte de alguém que amamos e esta é a mesma em qualquer parte do mundo. Talvez a história tenha sido criada por alguém que precisou dar sentido à sua dor ou à dor de quem amava e se fazia a mesma pergunta: por que comigo? Ao entrar em contato com outras pessoas e suas dores, a mãe desolada descobriu que não era a única a ter que conviver com a perda de alguém querido.
A doença e a própria morte fazem parte da vida e são momentos que nos constituem juntamente com as alegrias, o belo e todas as coisas boas que somos capazes de viver. Queiramos ou não, aceitemos ou não, a morte integra a vida assim como a noite integra o dia.
RINPOCHE, Sogyal. O livro tibetano do viver e do morrer. São |Paulo: Palas Athena, 1999.
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