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  • Foto do escritorVera Weissheimer

Os amigos de Pedro

Atualizado: 8 de fev. de 2022


Pedro mora numa casa que tem dez janelas e quatro portas. Houve o tempo em que das janelas, somente cinco ainda abriam. Das quatro portas que davam para a rua, somente uma era aberta – a da cozinha. Nem sei por que coloquei tanta porta nessa casa; perguntava-se Pedro, entre uma e outra lamúria.





A casa, desde que lembro ter passado por lá, era carregada de um frio de arrepiar a espinha mesmo que fora fizesse um calor de fevereiro. As cortinas, num branco tímido, ficavam amarradas, liturgicamente, com fitas de tristeza lilás.


Quando Pedro deu-se por vencido e a solidão parecia ter-se instalado definitivamente, emperraram as dobradiças das janelas, e da única porta que ainda abria, quebraram os trincos. Há quem dissesse ser bruxaria, mau olhado. Essas coisas! Mas, ele dizia: é vontade de não viver.


Quando o vento da manhã já não consegue mais invadir os quartos, a sala e a cozinha, então, algo está errado. Ou não há vento, ou fechou-se a vida para balanço. (Se você quiser fechar para um balanço. Tudo bem! Mas sempre é bom avisar amigos e amigas, para o caso de você precisar ser salvo de você mesmo).


No caso de Pedro não havia “doutor para nervos” que conseguisse devolver-lhe a vontade de ficar entre os vivos. Disseram-lhe que chá amargo combatia os amargores da vida. Pedro tomou alcachofra, carqueja e boldo. Ouviu dizer que infusão de quebra-pedra era milagrosa! Então, acreditou que aquela plantinha faria jus ao nome e quebrasse seus quebrantos, suas insanidades, suas solidões. Mas nada deu resultado. Cada vez que os amigos tentavam forçar as dobradiças de alguma janela ou de alguma porta, Pedro rangia os dentes e soltava um gemido.


Corre, à boca pequena, ainda hoje pela cidade, que Pedro se apaixonara por uma linda mulher e para ela construiu a casa. Ninguém sabe o que aconteceu. Da mulher nunca mais se ouviu ou viu sinal algum. E ele? Pedro fechou-se. Mas tinha amigos. Eles nunca o deixaram na mão. Mas ele não queria a mão de ninguém.


Já faz algum tempo – se minha memória não está trapaceando –, foi num sábado de abril. Os amigos sacramentaram, entre copos de vinho e filosofias de madrugada, que algo fariam: “Desta Páscoa não passa!”


Portas e janelas foram arrombadas, a casa foi lavada com essência de eucalipto e as janelas receberam floreiras, na certeza de cor para todas as estações, e no jardim, girassóis.

Pedro foi tomado de assalto pelo arroubo dos amigos. Ao se recuperar da invasão, prometeu viver. Aos amigos prometeu que iria se apaixonar! Apaixonar por si mesmo.


Você tem amigos ou amigas que são insanamente capazes de arrombar portas e janelas por você? Precisamos dessas pessoas, são nossos elos com o mundo de fora de nós mesmos.

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