top of page
  • Foto do escritorVera Weissheimer

Criança entra em luto?

(Vera Weissheimer)


Por que é tão importante nos importarmos com o luto da criança? Talvez, tenhamos esquecido os momentos de desamparo que nós mesmos sentimos na infância, ao perdermos um bicho de estimação, ao presenciarmos o velório de uma pessoa que no dia seguinte, simplesmente, deixaria de estar pela casa.


Quando a minha bisavó morreu, foi ainda um tempo em que os velórios ocorriam nas casas. A sala da casa de meus avós se encheu com um cheiro enjoativo de flores colhidas nos jardins da vizinhança, não havia floricultura para essas coisas. Era das casas da vizinhança que chegavam as flores que eram a própria metáfora do viver e do morrer. Flores cortadas, talvez antes do botão abrir, era vida ainda em botão, para colorirem o corpo e a casa onde os relógios haviam sido silenciados, as crianças se sacrificavam em fazer brincadeiras silenciosas (que sacrifício!), era dia de vestir roupas escuras. Os homens ficavam do lado de fora, espantando a morte com piadas e risadas, forçando uma normalidade que estava em suspenso.


Às crianças era permitido caminhar pela sala, sem fazer barulho. Como isso era difícil! As crianças estavam por ali, observavam os olhos chorosos de um e de outro e depois voltavam às brincadeiras. A criança não era excluída dessa vivência. Um tempo depois do enterro de minha bisavó, encontrei um passarinho morto no pátio da nossa casa, fiz um solene enterro, imitando o ritual do qual eu havia podido participar.


Para a criança é importante que possa ter seu espaço para se indagar e indagar os adultos sobre o que aconteceu ou está acontecendo. Carl Gustav Jung (2013, p. 18.) descreve um diálogo de uma criança de três anos com a sua avó:

Certa vez, quando a menina, à qual daremos o nome de Aninha, contava cerca de três anos, desenrolou-se entre ela e a avó o diálogo seguinte:


Aninha: “Vovó, por que teus olhos são tão murchos?”

Avó: “Porque eu já sou velha”.

Aninha: “Mas ficarás jovem de novo, não é?”

Avó: “Não; bem sabes que vou ficar cada vez mais velha, e depois vou morrer”.

Aninha: “Está bem, e depois?”

Avó: “ Então eu me torno anjo...”

Aninha: “ E depois disso, vais ser de novo uma criancinha pequenininha?

A Aninha deu conta de encontrar uma explicação para as duas perguntas básicas do ser humano: De onde vim? Para onde vou? Quem pode negar que nunca se pegou tentando encontrar respostas para estas perguntas, ainda que em idade adulta?


Durante uma visita ao cemitério para levar flores, meu sobrinho pediu para ver as fotos dos parentes. Fui mostrando o túmulo dos avós, dos bisavós, dos tataravós. Mas ele não sossegou. E insistiu: “e o tatatatatataravô?” E, depois de algum tempo, emendou: “Quero saber de onde eu vim”. Em geral, falamos pouco de nossos antepassados. De vez em quando, tirar o pó daquela caixa de fotos e rememorar com as crianças as histórias ajuda a criar um sentimento de pertença: pertenço a um lugar, a uma família, a uma história.


Faça um exercício de tentar lembrar o máximo possível de sua genealogia e veja até onde consegue chegar. Isso é reverenciar a vida de quem não está mais com você. Isso é trazer a eternidade para mais perto. Reavivar memórias, recordar, trazer de volta ao coração vivências e narrativas é um jeito de deixar vivo quem se foi. É também um exercício importante que ajuda a criança a entender que, quem morre, não precisa desaparecer da vida da gente, não precisa ser esquecido. A morte, afinal, encerra vidas e não os relacionamentos e afetos.


JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Obras Completas. Volume 17, §5, p. 18.


22 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page